sexta-feira, 1 de julho de 2016

O NÚMERO DE PEITO COR-DE-ROSA

Se tem uma coisa que sou contra, no mundo da corrida (embora já tenha sido cúmplice uma ou outra vez), é participar de uma prova com a inscrição de outro corredor. Mas, como em tudo na vida, há exceções. Outro dia, me vi aplaudindo, emocionada, um corredor “incidental” com um número de peito que, sem dúvida nenhuma, não era seu.


Nilza. Esse era o nome no número de peito cor-de-rosa daquele corredor – um rapaz alto, perfil nada atlético, nitidamente acima do peso, para não usar palavras mais singelas que hoje em dia podem resultar em processo, sob rótulo de bullying.

Nilza. Esse era o nome de sua mãe, que, após travar brava luta contra um câncer de mama, veio a falecer dois dias antes daquele evento, justamente a Corrida e Caminhada contra o Câncer de Mama.
No ano passado, Nilza havia participado dessa caminhada ao lado de familiares e amigos que juntos lutavam aquela batalha que, até então, parecia ganha. E ela estava novamente inscrita este ano, assim como seus outros dois filhos e várias pessoas de sua abençoada família. A equipe se chamaria "Vai Nilza", tinha comentado há algum tempo o meu personal trainer e grande amigo, professor Alexandre de Andrade, irmão caçula da Nilza.

Eu tive pouco contato com a Nilza. Durante a sua doença, tinha notícias sempre por meio do professor Alexandre. Mas nunca a visitei pessoalmente. Em duas ocasiões, mandei objetos simbólicos a título de incentivo: a medalha da São Silvestre de 2014, uma prova que foi muito difícil por eu estar sem treino, e uma “injeção de ânimo” – uma seringa com um papelzinho dentro, escrito “ânimo!”. Essa injeção, soube tempos depois pelo Alexandre, que a Nilza carregava sempre na bolsa...


Ultimamente, a cada notícia de piora e de recuperação, eu me perguntava o que faz uma mulher ser tão guerreira e tão forte. Vontade de viver, sem dúvida. Mas não é o suficiente para passar por tantas situações: como médica, sei disso. Força e apoio de uma família unida? Haja força, haja união. Fé? Poxa... haja fé, pensava.

Na sexta-feira à noite, eu tinha ido ao seu velório. Tristeza indescritível. Doía-me o peito, de ver a dor das pessoas. Mas havia também algo de sereno naquelas pessoas. Acho, também, que era fé.
Não consegui ir ao enterro, que foi no sábado. Lembrei-me da corrida do dia seguinte e me ocorreu que eles pudessem ir, mas fiquei com a hipótese mais provável de que todos estariam tristes demais, além de obviamente cansados para se levantarem cedo num domingo muito frio.
Eu havia perdido a inscrição para essa corrida; então, só fui com a intenção de assistir e fotografar. E nem procurei saber se o Alexandre e a família estavam lá.
Pois, estavam. Lacinho preto no peito ou no braço, lágrimas e sorrisos nos rostos abatidos, estavam lá. Unidos como nunca. Fortes.
Soube que o Alexandre tinha terminado sua corrida de 5 km e partido novamente pelo percurso para encontrar os filhos e sobrinhos da Nilza que ainda estavam caminhando. Segui, então, em sentido contrário ao da chegada, para ir de encontro com eles. A corrida já estava sendo encerrada e o staff retirava os apetrechos do percurso e a CET estava prestes a liberar o trânsito da via bloqueada.
De longe, avistei a turma chegando. Arrepiei. O professor Alexandre, os três filhos da Nilza e dois sobrinhos, correndo juntos. Alguns esbaforidos, outros nem um pouco, semblantes que mesclavam sorriso com o sofrimento da saudade e da falta de fôlego de quem não costuma correr.


Quando se aproximaram, gritei o mais alto que pude: "VAI NILZAAAA!!" Em resposta, eles se deram as mãos e levantaram os braços, todos juntos. Enxerguei, então, o número de peito cor-de-rosa da Nilza brilhando no peito de um dos filhos. Chorei.


Aquela imagem, pensei, era a essência do que a Nilza gostaria: sua família sempre unida e forte, animada, lutando, sorrindo. Seu nome – ali representado pelo número de peito cor-de-rosa no peito de um corredor sem inscrição – brilhará para sempre, no peito dos seus filhos e de todos aqueles que Deus inscreveu em alguma parte da sua história.

Vá em paz, Nilza. Aqui estamos inscritos na Vida e continuaremos nossa corrida por ela, com o seu número de peito cor-de-rosa em nossos corações. E a medalha é sua, pois você completou com louvor a sua caminhada.










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